Efeitos de um parecer

José Reinaldo

O parecer do procurador-geral eleitoral, que também é o procurador-geral da República Roberto Gurgel, teve um efeito devastador sobre a família Sarney e seu grupo. Talvez a impunidade permanente, por mais que fossem denunciados por ações de improbidade e enriquecimento ilícito, acabou a acostumá-los a crer que nada ia adiante. Sempre havia alguém disposto para arquivar as acusações e livrá-los da Justiça. Estavam acima da lei, que só funcionava contra seus inimigos e adversários políticos. Essa foi a realidade do estado até há pouco tempo.

Felizmente, as coisas mudam, mesmo no Maranhão. Hoje existe um sentimento de revolta e mudança – muito forte – que anunciam grandes e irreversíveis transformações no estado. E existe ainda a força das ruas que está abalando as velhas e carcomidas estruturas políticas do Maranhão.

A desesperança, a pobreza, a regressão do estado, cada vez ficando mais para trás, enquanto todos os outros estados avançam, deram origem ao sentimento.

Pois bem, acostumados ao status quo, não esperavam que o chefe do Ministério Público ainda desse o parecer ou que, se o proferisse, os livrasse da cassação ou fosse brando. Mas os tempos são outros e a peça inicial que protocolamos é muito competente, rica em provas e documentos, e também baseada na nova jurisprudência deixada no julgamento de Jackson Lago. A ação foi cuidadosamente elaborada por Rodrigo Lago, jovem e hábil advogado.

Surpreendidos com o parecer, ficaram arrasados e perdidos. E muito nervosos com a perspectiva de verem que o fim do domínio está bem próximo. Ficaram revoltados e imagino o que dizem do procurador e também de mim, autor da ação. Não importa.

Isso explica os insultos e a tentativa de vingança. Então me ameaçam com uma Ação Popular, que não é tão popular assim, elaborada por eles mesmos e assinada há muito tempo pelo jornalista do jornal Veja Agora Caio Hostílio. Esse jornal foi criado pelo grupo Sarney durante a época em que governei o Maranhão somente para produzir ofensas, calúnias e difamações contra mim e o meu governo. A Ação Popular é uma colcha de retalhos, sem consistência, mesmo porque, se tivesse alguma, quem teria me processado seria o Ministério Público, muito pressionado na época pelos chefes oligarcas.

O jornalista produziu tanta calúnia que eu o levei as barras da Justiça por danos morais. Os processos estão sendo julgados e ele tem recebido condenações em série, atualmente já são três. Todas elas com multas pecuniárias que já somam quase R$ 30 mil.

Não bastasse isso, citam também insistentemente o processo chamado de “Navalha”, mas esse vou deixar para depois. Foi apenas uma grande armação e um violento desejo de vingança, contra muitos do meu governo, pela derrota de 2006, que nunca engoliram. A base da acusação era uma licitação que eu teria destinado a uma empresa em troca de um carro. Quando fui acusado, a licitação já havia sido realizada e a tal empresa nem participou do certame. Já falei muito sobre isso (vide postagens antigas do blog) e agora deixo para entrar em detalhes em outra ocasião.

Não me perdoam também por termos introduzido no debate maranhense o IDH e os indicadores sociais. Acredito que, se não ássemos a dar grande importância aos indicadores sociais no meu governo, cuja meta básica e aglutinadora era melhorar o IDH do estado para 0,700, estaríamos massacrados pela propaganda avassaladora e mentirosa do governo sem poder mostrar a grande mentira que essa gestão desastrosa queria impor à população, incutindo a ideia de que a oligarquia era uma grande benfeitora do estado, que crescia como nunca. O resultado dessa luta foi uma importantíssima conscientização da pobreza, do abandono e da indiferença que domina o estado.

O último exemplo da mentira que nos queriam impor era que o secretário Luís Fernando, ungido candidato da família ao governo do Estado, teria feito um governo excelente quando prefeito de São José de Ribamar.

No artigo ‘Bia Venâncio X Luís Fernando’, mostrei que dos sete principais indicadores sociais, Paço do Lumiar é melhor em cinco. Mostrei a confirmação do IDHM, em que o município de São José de Ribamar está 474 posições abaixo de Paço. Faltou dizer que o município recebe o dobro da cota do Fundo de Participação que Paço do Lumiar. Este recebeu em julho 3,7 milhões, enquanto o primeiro recebeu 7,1 milhões. Isto sem contar a quantidade enorme de convênios reados pelo governo estadual, enquanto Paço do Lumiar não teve esse mesmo tratamento.

Então inventaram que Luís Fernando havia transformado São José de Ribamar em um modelo de excelência em educação, exemplo a ser seguido, e os prefeitos eram instados a ir conhecer tal excelência. Era um projeto tratado com muita prioridade para transformar o candidato em um grande , capaz de renovar a oligarquia que nunca deu bola para o sistema educacional do estado. Rememore-se – sempre – o caso de Roseana, que quando deixou o governo no início de 2002, se ‘esqueceu’ que o estado tem 217 municípios e só tinha ensino médio em 59 deles.

Então pergunto, mas que excelência é essa na educação, se Paço do Lumiar, tão desprestigiado pelo governo, tem o IDHM Educação muito melhor que o de São José de Ribamar? Pois é, vejam que o de Ribamar é 0,700 e o de Paço é 0,739! Como se não bastasse, também o IDHM Renda de Paço é de 0,646, contra o de Ribamar, que é de 0,642. Por fim, o IDHM longevidade de Paço é de 0,796 e o de Ribamar é de 0,790.

Com efeito, pode-se ver que a grande diferença entre os dois é exatamente na educação. Triste ironia.

Finalizo externando minhas imensas saudades de Rui. Faleceu, na semana ada, um dos maiores heróis maranhenses. Herói verdadeiro, não só do Maranhão, mas do Brasil, uma lenda na aeronáutica, quando na segunda guerra comandou o esquadrão de caças ‘Senta a Pua’ na Itália. Carismático, corajoso, idealista e gentil, Rui vai deixar muitas saudades.

O ex-governador José Reinaldo Tavares escreve para o Jornal Pequeno às terças-feiras

Abuso de poder econômico e de autoridade

 

José Reinaldo

O parecer do procurador-geral Eleitoral Roberto Monteiro Gurgel Santos, opinando pela cassação dos diplomas expedidos a Roseana Sarney Murad, governadora do Maranhão, e a Washington Oliveira, vice-governador, por si só já é um avanço extraordinário na Justiça brasileira e uma verdadeira vitória do povo maranhense.

Quando a ação deu entrada no tribunal, comenta-se que o senador José Sarney reuniu os seus amigos do Direito, ex-ministros, e pediu que examinassem o processo, dissessem se ele devia se preocupar com a questão e qual a orientação. Eles teriam dito que, graças ao precedente criado com o julgamento de Jackson Lago e com a densidade e robustez das provas, o único caminho capaz de evitar a cassação seria não deixar que os autos chegassem ao plenário. Se chegassem, seria muito grande a possibilidade de cassação.

Daí em diante, o que se viu foi uma tentativa infindável de atrasar o julgamento. Tentaram de tudo. Foram seis tentativas de atrasar ou paralisar o processo. Usavam preliminares alegando incompetências diversas, todas derrubadas. Mesmo assim, conseguiram atrasar o processo em oito meses com essas chicanas jurídicas.

O pedido de cassação do diploma foi muito bem feito, comprovando cada afirmação com farta documentação. E o abuso de poder econômico pôde então ser facilmente constatado pelo procurador-geral, que diz em seu parecer: “O objetivo era realizar, com a maior rapidez possível, antes do período vedado, o financiamento de obras diversas.” E prossegue: “Chama atenção ainda mais, tanto pela pressa com que eram realizados [os numerosos convênios], como pelo volume dos rees”.

Até o Detran assinou 15 convênios com prefeituras, todos no dia 24 de junho, data da convenção, no valor de R$ 5,4 milhões. Os recursos foram liberados imediatamente. “Convém destacar que os convênios eram realizados em tempo recorde: no prazo de dois dias, eles eram assinados, publicados no órgão oficial e o dinheiro creditado na conta do município, cujos saques eram feitos em espécie, diretamente na boca do caixa”, diz o parecer.

Com isso, Gurgel, após citar dezenas de prefeitos que receberam convênios e o resultado da eleição nesses municípios onde houve derrama de dinheiro público para votarem na governadora, conclui ser “induvidosa, portanto, a intenção de cooptar, com os recursos dos convênios, o apoio dos prefeitos, das lideranças partidárias e comunitárias, não somente dos aliados políticos, mas também daqueles ligados à oposição”.

E completa: “Em suma, a cooptação das lideranças políticas, com os recursos dos convênios, constitui fator determinante ao apoio à candidatura da governadora. A testemunha Hildo Rocha, secretário de assuntos políticos, quando indagado sobre o número de prefeitos que aderiu à candidatura da recorrida, respondeu que ‘(…) acredita que foi um número aproximado a 105 prefeitos dos 217 prefeitos dos municípios do Maranhão. Na realidade, o ree dos recursos dos convênios foi determinante não somente na obtenção de apoio político, mas também na vitória dos recorridos nas urnas”.

E deixa isso claro em outros momentos, como a seguir: “Finalmente, o compromisso de conseguir o maior apoio político possível fez com que várias transferências de recursos aos municípios, em elevadas somas, fossem efetuadas no período vedado.” E demonstra isso na peça acusatória.

Sobre a distribuição gratuita de bens mediante programa social no ano eleitoral o procurador-geral demonstra que o programa recebeu R$ 130 milhões no ano eleitoral e diz que a majoração excessiva de um programa de habitação às vésperas das eleições, o qual, pelas suas características, possui forte apelo popular, configura indubitavelmente abuso de poder político a atrair a sanção do artigo 22 da LC n° 64/90.

Em seguida, examina o abuso de poder econômico e de autoridade, afirmando que: “Não obstante, no ano da eleição, a governadora transferiu recursos elevadíssimos aos municípios, especialmente no mês de junho e nos três dias anteriores a convenção. Para se ter uma ideia mais exata, no mês de junho houve a celebração de 979 convênios envolvendo recursos da ordem de R$ 391.290.207,48 dos quais 670 levados a publicação nos três dias anteriores à convenção, no valor total de R$ 165.094.567,06.

O total das transferências no mês de junho impressiona quando comparado com o total das transferências durante todo o ano de 2010, no valor de R$ 407.996.940,49 (nos outros 11 meses de 2010 foram conveniados somente cerca de R$ 16.000.000,00). E impressiona ainda mais, ao se constatar que no ano de 2011, quando não houve eleição, as transferências aos municípios desceram ao valor de R$ 160.149.888,03”.

Resta mais que comprovado que o interesse era um só: mudar o resultado da eleição ao seu favor.

Continuemos com outros excertos do parecer ministerial: “Nas alegações finais, Roseana Sarney Murad afirma que a celebração de convênios no mês de junho é uma prática permitida, e o fato de ocorrer a convenção nesse período não muda o quadro, uma vez que a lei somente a proíbe nos três meses anteriores ao pleito. A considerar o mês de junho impróprio para celebrar convênios, ‘seria o caso de cassação de todos os governantes do Brasil, pois todos realizam convênios neste mês. E continuarão a realizar, pois a istração pública não pode parar.”

Essa é a desculpa que Roseana está colocando em seus comunicados à imprensa, mas vejam a reposta dura que Gurgel dá a essa alegação: “… há de se coibir o desvio de finalidade, o abuso de poder no processo eleitoral. O ato abusivo, mesmo praticado por todos os governantes, submete-se a reprimenda da Justiça Eleitoral. Também não é possível estabelecer uma data ou período em que a prática de abuso seja permitida, não importando sua natureza, se do poder econômico, político ou do uso dos meios de comunicação […] Essa ação [ de convênios] tinha um objetivo claro e imediato: interferir no processo eleitoral em curso e beneficiar as candidaturas dos recorridos, dando a eles condições diversas dos demais candidatos.”

“E nem mesmo se pode argumentar, no caso, com a ausência de potencialidade de conduta. Pelo elevado número de convênios assinados pelo agente público e o montante de recursos financeiros transferidos a dezenas de municípios, em período tão curto do processo eleitoral, pode-se afirmar com segurança que houve abuso de poder econômico e político apto a comprometer a legitimidade da eleição e o equilíbrio da disputa”.

Sobre a maior quantidade de votos obtida por Roseana na eleição questionada, diz o Tribunal: “Para configuração do abuso de poder, não se exige nexo de causalidade, entendido esse como a comprovação de que o candidato foi eleito efetivamente devido ao ilícito ocorrido, mas que fique demonstrado que as práticas irregulares teriam capacidade ou potencialidade para influenciar o eleitorado, o que torna ilegítimo o resultado do pleito”.

Por fim, Roberto Gurgel, procurador-geral da República, conclui assim o seu parecer: “À vista de todo o exposto, o Ministério Público Eleitoral opina pela rejeição das preliminares e pelo provimento do recurso, a fim de que sejam cassados os diplomas expedidos aos recorridos”.

Ressalte-se que Gurgel reteve o processo por mais de um ano em seu poder, mas o seu parecer é um primor no aspecto jurídico e legal e praticamente fecha todas as portas para a argumentação da defesa de Roseana Sarney. A ministra Eleitoral Luciana Lóssio, relatora do processo, mas que havia atuado no Tribunal como advogada de Roseana no processo de cassação de Jackson Lago, não perdeu tempo e se declarou impedida de relatar o pleito e o devolveu imediatamente à presidente do Tribunal para o sorteio de novo relator. Isso frustrou enormemente a família Sarney, que esperava que ela pudesse levar meses para se declarar impedida. Foi uma atitude digna.

A situação após o parecer é a mesma a que chegaram os advogados do senador José Sarney: só evitam a cassação, se conseguirem evitar que o processo vá a julgamento. Mas na situação atual é praticamente uma missão impossível.

 

De qualquer maneira, o estrago já foi muito grande no prestígio da família e só vai piorar.

 

A mudança está em curso!

 

O ex-governador José Reinaldo Tavares escreve para o Jornal Pequeno às terças-feiras